#18: (again)
busca debaixo das botas.
Escrevi o texto abaixo em 25 de agosto de 2018, um sábado.
Visitar a Casa Fernando Pessoa me trouxe a mesma sensação. A casa onde o poeta viveu durante seus últimos quinze anos, em Campo de Ourique, virou um centro cultural; recomendo a visita e não vou me estender muito nisso. Digo apenas que os joelhos fraquejaram por três vezes: 1) perseguido e inspirado pelo Universo, que vem tentando me dizer algo através da voz de uma mulher, uma sereia punk que busca um Odisseu longe de casa, fui atraído por uma declamação que me puxou pela nuca, enfeitiçado. A sala de projeções em multimídia transmitia Patti Smith, em sua visita a Lisboa em 2015, lendo uma tradução ao inglês para Saudação a Walt Whitman, do heterônimo Álvaro de Campos. Levando em conta a relação que venho tendo com Patti, como já comentei repetidas vezes, isso me veio como um raio. Eu ria sozinho em meio aos outros já que ela estava comigo, de novo. E com ele. 2) contemplar o magnífico retrato de Pessoa por Almada Negreiros. 3) entrar no quarto reconstituído de Pessoa. Mais que isso: apoiar-me na cômoda original de seu quarto. Abrir as gavetas. Botar a mão e sentir a mão dele ali, poeta louco, enquanto criava seus heterônimos. Sim, a cômoda doada ao museu foi aquela sobre a qual Fernando Pessoa confessa, como registrado na carta a Adolfo Casais Monteiro, ter criado seus heterônimos, numa febre furiosa e insana.1 Foi demais pra mim ao sentir a presença dele comigo. A presença deles.
Patti Smith em 2016, durante o Ano do Macaco2:
(…) continuo meu caminho, avançando na minha predestinada viagem rumo a Lisboa, a cidade da noite de paralelepípedos.
É lá que encontro os arquivistas da Casa Fernando Pessoa, onde sou convidada a passar um tempo na adorada biblioteca pessoal do poeta. Deram-me luvas brancas que me permitem examinar alguns dos livros favoritos dele. Há romances policiais, coletâneas de poemas de William Blake e Walt Whitman, e seus preciosos exemplares de As flores do mal, Iluminações e os contos de fadas de Oscar Wilde. Os livros parecem uma janela mais íntima para Pessoa do que sua própria escrita (…)
Gravar o poema “Saudação a Walt Whitman” para o arquivo oral, escrito por uma dessas criações - Álvaro de Campos -, melhora meu ânimo. Tinha, coincidentemente, lido o poema de Allen para Whitman uma noite antes, e os bibliotecários que tomavam conta dos livros ficaram deliciados ao ouvir a respeito da conexão. (…) Voltando ao hotel, passei pela imagem dele, forjada em bronze, e que mesmo assim parece em movimento.
Foi na cidade de Pessoa que me demorei, embora não pudesse dizer com total certeza o que estava fazendo. Lisboa é uma boa cidade onde se perder.
Creio que já falei sobre isso também no link abaixo. Seguimos andando em círculos:
Falando em andar em círculos: um pouco da arte de andar, ou:
alguns dos pisos que nos deram a honra de nos receber.
Epílogo
Professora Sandra Mara Stroparo, aula de Teoria da Literatura, ano de 2008.
Pergunta - Qual é o tema central de toda a Literatura?
Resposta - O Homem.
Mais especificamente, a cômoda onde se deu a criação do heterônimo Alberto Caeiro: “foi em 8 de Março de 1914 — acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim.” Link para a carta completa: https://casafernandopessoa.pt/pt/fernando-pessoa/textos/heteronimia
SMITH, Patti. O Ano do Macaco. Trad. de Camila von Holdefer. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, pp. 94-7.











